A INDUÇÃO DO ABROLHAMENTO E PROCESSOS FISIOLÓGICOS

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Filipe Abade

Técnico de Kiwis

A INDUÇÃO DO ABROLHAMENTO E PROCESSOS FISIOLÓGICOS

Nos últimos anos, os Kiwicultores portugueses têm-se deparado com um problema que provavelmente passará a ser recorrente e normal… Falamos da falta de horas de frio e da época em que estas ocorrem.

É certo que, como qualquer agricultor, queremos arranjar soluções para mitigar este problema e tentar que o nosso pomar seja pouco afetado recorrendo muitas vezes a soluções plausíveis de auxiliar o nosso trabalho e com isto não ter tantas quebras na produtividade.

Desta forma o ideal será debruçarmo-nos sobre alguns dos processos de abrolhamento e floração de maneira a perceber como funciona a planta e o que provoca as ditas quebras em número de frutos e, como consequência, a produtividade do pomar.

Em qualquer planta, todas as modificações fisiológicas são um conjunto de reações bioquímicas cujo objetivo é o equilíbrio desta por forma a garantir a sobrevivência e a continuidade da espécie. Por isso, qualquer estímulo que se tente induzir na planta virá acompanhado de uma reação para que possa voltar ao equilíbrio. Assim podemos contar com uma série de fatores que controlam o abrolhamento das plantas num pomar: genes, estado nutricional, doenças, hormonas da própria planta, horas de frio, horas de calor, horas de luz e não menos importante a intervenção do homem (neste caso o agricultor).

Visto alguns dos fatores que influenciam uma campanha de fruta, poderemos começar por aprofundá-los para perceber as interações de um abrolhamento. Existem fatores genéticos que influenciam o processo de abrolhamento, crescimento vegetativo e mais concretamente a floração. Falando em específico de uma alteração epigenética na expressão de um gene, o Gene (FLC) atua como repressor da floração quando há falta de horas de frio. Chamo a atenção para o facto deste gene não ser o fator decisivo para haver flor ou não… simplesmente é mais uma variável para a equação que comporta bastante importância para as nossas decisões.

Segunda variável é a forma como a planta interpreta as horas de frio, o seu período, assim como a época em que estas ocorrem; com isto quero dizer que a planta apenas reage e interpreta como horas de frio, quando exposta ao frio por um longo período (abaixo de 7.2 ºC ou 6.8ºC, dependendo do referencial ou método usado). Caso tenham percorrido alguns dias com acúmulo de frio, mas seguidos por um dia de calor, não permitirá que a planta induza por completo a invernalização, o que muitas vezes pode justificar o paradoxo das horas de frio acumuladas no local e a rebentação completamente heterogénea.

Avaliados estes dois primeiros casos já conseguimos perceber uma das primeiras relações a ter em conta na planta: o facto do Gene FLC muitas vezes acabar por não ser completamente suprimido devido à falta de invernalização da planta. Uma tentativa de quebra da “dormência” não consegue corrigir esse efeito. Alerto para o facto de este não ser o único gene com estas propriedades na planta, havendo mais e que são suprimidos com o acumular de certas quantidades de horas de frio contínuas.

Olhando agora um pouco para o estímulo da floração na planta poderemos perceber um pouco do mecanismo de produção de fruta e o que influencia a “quantidade de flores que futuramente serão frutos”.

Quando um gomo já está abrolhado, os estímulos de floração provêm das folhas para o meristema apical, não devendo ficar bloqueados por ações exógenas…. Sabendo que estes são diretamente proporcionais à deslocação dos açúcares das folhas para o floema, o estímulo acompanha a deslocação dos açúcares para as diversas partes da planta.

Seja uma folha basal, por lógica a mais velha e madura que se tente estimular, terá menos influência na floração que uma folha mais próxima do meristema apical. Quanto mais longe a folha induzida estiver do meristema mais folhas que inibam o seu efeito haverá no percurso até à extremidade do meristema apical, agindo estas como um controlador da floração para reposição do equilíbrio hormonal da planta. Isto ocorre naturalmente porque as folhas mais próximas do meristema apical servem sempre como fontes preferenciais, sendo até mais rápidas e eficientes no estímulo. Mas uma vez dado o estímulo nas folhas mais velhas ou basais (por ação do agricultor), as próximas do meristema reduzem a produção de fatores estimulantes e muitas vezes atuando como balanceadoras do estímulo.

O fotoperíodo também é um agente bastante influenciador no processo de indução floral, quer no ano atual quer no seguinte ano. Embora Portugal não tenha problema de luz solar, o somatório desta, nas primeiras fases do ciclo da planta pode interferir na forma como a planta interpreta os estímulos, seja pela fotossíntese mais elevada nas folhas, seja porque influencia diversas reações por toda a estrutura da planta. Como sabemos a quantidade de horas de luz por dia está relacionada com crescimentos, florações, etc… e que no final pode ser mais um dos fatores que induzem o comportamento do nosso pomar.

Resumindo esta última parte num sentido mais prático, podemos concluir que ao tentarmos estimular abrolhamentos com cargas azotadas elevadas estaremos a:

1.    Estimular folhas basais que tem menor ação floral.

2.    Induzir o desenvolvimento das folhas e outras partes vegetativas, muitas vezes consumindo reservas e açucares que como verificamos anteriormente, são o veículo da deslocação de fatores de indução de flor; quando este é consumido pelo próprio órgão para o seu desenvolvimento não liberta para os restantes da planta.

3.    Interferência no amadurecimento de folhas, estas tardam em ficar ativas fisiologicamente para a planta podendo contribuir já tarde para o objetivo em concreto.

Vendo que a nossa ação pode influenciar os processos vistos acima, e aliando ao facto de a expressão de um gene poder influenciar todo o nosso trabalho, deveremos ponderar a ação em campo para atingirmos a eficiência. Planear as ações de modo a compensar a planta pelo estímulo induzido para que esta não fique desregulada.

Abordamos aqui algumas das variáveis dos primeiros estados fisiológicos de uma planta, e existem muitos mais, mas é importante realçar que de um modo geral as decisões agronómicas devem contemplar tudo isto para que consigamos boas estratégias no campo. Não é apenas uma ação de estímulo que nos irá fazer ter a produtividade desejada num ano de pouco frio, teremos sempre de ter em conta estes mecanismos das plantas. Afinal foram elas que os desenvolveram e ainda não os compreendemos completamente.

Assim, não nos devemos cingir à solução mediática e que nos parece óbvia, podendo algumas vezes provocar alterações em processos futuros.

 

Fontes: Taiz, L. & Zeiger, E. in Plant Physiology, Fifth edition 2010 USA

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